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Biografia

O povo é mestre de ficcionistas!

Manuel de Boaventura

Elementos biográficos

MANUEL DE BOAVENTURA

Manuel Joaquim de Boaventura nasceu a 15 de Agosto de 1885, na freguesia de Vila Chã, Esposende. Era filho do professor Albino Augusto Dias de Boaventura e de D. Balbina Gonçalves do Vale, ambos naturais da referida freguesia e onde eram abastados proprietários.

Aos sete anos, após o falecimento de sua mãe, acompanhou seu tio Manuel Inácio (pai dos jornalistas Armando e Octávio e do Brigadeiro Renato Boaventura) que nesse ano fora colocado como professor complementar em Peniche e, mais tarde, nomeado para reger matemática nas Escolas do Magistério Primário de Leiria e Normal do Porto.

Nessa transição com seu tio para Leiria, matriculou-se na instrução primária, vindo a fazer exame na mesma escola no ano de 1898. Frequentou os primeiros anos no Liceu de Guimarães e cursou o Magistério de Leiria, onde se diplomou, em 1903.

Em 1906 contraiu casamento com D. Ana da Conceição de Azevedo, fixando residência na freguesia de Palmeira de Faro, onde constituiu família. A não ser por motivos profissionais, viveu nesta freguesia até ao dia do seu falecimento, num acidente de viação, em 25 de Abril de 1973.

O lugar de Susão, em Palmeira, foi o local onde escreveu toda a sua obra literária, no entanto, Vila Chã e as suas gentes, constituíram a sua fonte de inspiração.

Foi professor, sub-inspector, e director escolar da região.

Cargos Honoríficos

Em Janeiro de 1918, e após um concurso literário, Manuel de Boaventura foi eleito por unanimidade sócio efetivo do Instituto Histórico do Minho. Em 16 de Novembro, do mesmo ano, foi eleito correspondente da Academia de Ciências de Portugal. Foi também sócio da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto e ainda da Sociedade Portuguesa de Escritores (Lisboa).

 A Chancelaria das Ordens Portuguesas, em 1932, por proposta do Ministério do Interior, conferiu-lhe o grau de Oficial da Ordem de Benemerência, honraria que Boaventura não aceitou, solicitando antes que esse galardão transitasse para a Junta Geral do Distrito, da qual era seu presidente.

A Obra Literária

Manuel de Boaventura, depois da sua formação no Magistério de Leiria, em 1903, regressou ao Minho ainda muito jovem. Em 1904, logo se dedicou aos estudos folclóricos e etnográficos, pelo que foi recolhendo as lendas e tradições, narrativas e contarelos que andavam na boca do povo.

A sua aldeia natal, Vila Chã, que mais tarde havia de ser selecionada, entre dez, para a escolha da aldeia mais portuguesa de Portugal, é um rico repositório de tradições e de velhos usos e costumes.

É pois de um desses contos sentimentais que surgiu o assunto para o seu primeiro romance, O Solar dos Vermelhos, que começou por ser publicado em rodapé, no semanário local O Esposendense, sob a rubrica de Velharias de uma Aldeia, entre 1905 e 1906. O folhetim despertou interesse e o diretor do jornal, Silva Vieira, apaixonado folclorista, editou-o em volume (1910) com artística capa de Manuel Viana. Foi com apenas 18 anos - 1903 – que iniciou os trabalhos para a elaboração desse romance. Em menos de um ano o referido livro estava esgotado, tendo logo de seguida mais duas edições.

Em 1908/9 escreveu novo romance de costumes Crimes dum Usurário, editado em 1910 pela Livraria Central de Lisboa.

Após a implantação da República, Manuel de Boaventura foi acusado de conspirador e por isso enclausurado no Colégio de S. Barnabé, em Braga, no ano de 1912. Durante o seu cativeiro, aí escreveu No Presídio, diário de cárcere, com comentários à política da época e relatos humorísticos do dia a dia dos presidiários.

Já por essa altura interessava ao artista a recolha de muitos milhares de termos, os quais andavam na boca do povo e que os dicionários não registavam. Em 1916, saiu o 1.º volume de Vocabulário Minhoto e, em 1922, sai o 2.º volume, perfazendo um total de 2704 inéditos vocabulares.

Segue-se Timóteo, o penitente, ilustrado por Octávio Sérgio e, em 1927, os Contos do Minho, onde nos dá a conhecer as belezas, usos e costumes da região esposendense.

Por motivos de afazeres profissionais do escritor houve um interregno na sua carreira literária de cerca de 20 anos. Só em 1947 volta às lides literárias com a publicação de mais um livro de contos regionais Ânsia de Perfeição e Contos Imperfeitos.

Em 1953 a livraria Figueirinhas editou Novos Contos do Minho, dezoito contarelos regionais e narrativas várias ao longo de 272 páginas.

Sobre a obra de Manuel de Boaventura existe bibliografia especializada que não cabe no objeto deste trabalho. Contudo, o estudo do Dr. António Losa, intitulado Percurso Literário de Manuel de Boaventura aborda as várias obras do escritor e reproduz excertos sobre a sua obra e fonte de inspiração que transcrevemos a seguir:

“ Os belos serões das lareiras de Vila-Chã – que saudades tenho deles! Muitos dos contos por lá ouvidos se armazenaram na minha memória; e de alguns deles tirei partido como temas literários."

“Pois bem: para seleccionar a dúzia de contarelos que aqui vai bati a inúmeras portas, onde havia velhos e velhas que me podiam oferecer elementos, contando o que ouviram na infância e mocidade."

         “Foi para mim uma decepção! Uns contavam coisas que tinham lido ou ouvido ler a filhos e netos, nos compêndios escolares; outros narravam facécias mais ou menos licenciosas, sem valor folclórico ou etnográfico; e a maior parte declarava ter ouvido muitos contos às avós e às tias, mas tê-los deixado esquecer."

         “O senhor sabe: aquilo não valia a pena reter na memória; eram contos – da - carochinha… Agora a gente lê, nos jornais e em livros, coisas muito mais bonitas e verdadeiras…”

         E acrescentava:

         “Historietas? Novelas? Lendas ingénuas?..."

         “O que fazem os literatos profissionais senão seguir-lhes o exemplo?"

         “O povo é mestre de ficcionistas!"

         “No que vai ler-se há muito pouco de minha casa: tudo é do narrador. O colheiteiro apenas lhe serviu de escrivão - escrivão da puridade da sabedoria do Povo!”

         Em tom de apelo amargurado; insiste:

         “Afigura-se-me de urgente necessidade proceder à recolha, por Portugal além, de todas as manifestações artísticas do génio popular, a caírem no esquecimento."

         “A mina, que se julgava inesgotável – está a esgotar-se.”

O Jornalista

A obra literária de Manuel de Boaventura não se encontra apenas no volume editado, mas também em muitos jornais e revistas de que foi editor, redator e colaborador. De entre a vasta colaboração em periódicos destacam-se alguns títulos.

Desde 1911 até à sua extinção, Manuel de Boaventura foi editor e colaborador assíduo da Revista do Minho, dedicada aos estudos etnográficos e folclóricos. Trata-se hoje de uma das mais preciosas e raras revistas do país, e que a Biblioteca Municipal de Esposende possui colecção. Foi também fundador e redator principal do semanário A Verdade que se publicou em Esposende nos anos de 1918 a 1920.

A sua colaboração em revistas foi variada, destacando-se Gente Minhota, (Braga) Civilização e Revista do Norte (Porto), Panorama e Mundo Ilustrado (Lisboa) Bracara Augusta e Distrito de Braga (Braga). Da sua colaboração em jornais encontram-se títulos como O Diário de Noticias, O Diário Ilustrado, O Jornal de Notícias, Comércio do Porto, etc., para além de inúmeros jornais regionais.